"Filhos dos Livres Pensamentos" - Capítulo 3





Dando continuidade as postagens de partes do livro que escrevi, como tese de conclusão de curso, sobre os músicos Guga Borba e Guilherme Cruz. Neste capítulo, dedicado ao Guilherme, conto o seu interesse precoce por um instrumento musical, as suas aventuras e aprendizados nos Estados Unidos, e, claro, a parceria com o Guga. Volto a lembrar que esses são apenas alguns trechos do livro que, quiçá, um dia eu consiga publicar. Lembro também que os capítulos anteriores estão nas postagens antigas.






Capítulo 3













“Noite de chuva, é isso que sou
Misturo Neruda com Rock n’ Roll...”
Paixão Minha (Guilherme Cruz) 





Enquanto Curitiba sofria com o rigoroso inverno em 1975, a Santa Casa de Campo Grande padecia com problemas de infecção hospitalar. Foi por isso, e só por isso, que Guilherme Silva Cruz nasceu no Rio de Janeiro. Precisamente, no dia 12 de julho de 1975, na cidade de Volta Redonda. “Minha mãe foi só para eu nascer, depois de um mês viemos para Campo Grande. Foi por uma questão clínica mesmo”.

            Seus pais, Fernando Manuel Garcia Cruz e Maria Helena Silva Cruz, vieram do Rio de Janeiro para Campo Grande em 1974. Guilherme é o mais velho do casal de irmãos, a caçula, Fernanda, é três anos mais nova. Até os dois anos, Guilherme morou na Rua Maracaju quase esquina com a Rui Barbosa, depois se mudou para a Rua José Gomes Domingues, no bairro Santa Fé. Foi onde o violão entrou como um “remédio” na sua vida.

            Guilherme era uma criança muito agitada, dava muito trabalho para seus pais. “Eu era terrível”. Diagnosticado como uma criança hiperativa, o médico indicou uma série de remédios, mas, Dona Maria Helena preferiu adotar um tratamento alternativo: usar o violão como remédio.

            — O médico queria me dar remédio, mas a minha mãe não enxergou dessa forma. Ela foi muito feliz em não acreditar nisso. Quando eles me deram o violão, o problema acabou. A minha energia foi toda para ele. Eu ficava tocando o dia inteiro, ai meus pais me arrumaram um professor de violão.

Guilherme “mergulhou” no violão. Ele não sabia se isso era bom ou ruim, só queria aprender a tocar. “Esse era o meu barato, conseguir tocar”. Guilherme ganhou o violão no Natal de 1982, logo no começo do ano seguinte foi estudar com o músico Carlos Colman.

            Colman ensinava muitas músicas de compositores regionais para o pequeno Guilherme. Desde cedo, teve contato com o trabalho de Geraldo Espíndola, Almir Sater, entre outros. Dentre essas músicas, aprendidas quando ainda era uma criança, uma canção da banda Olho de Gato cruzaria o caminho do Guilherme, vinte anos mais tarde, dentro de um estúdio.

            — Quando eu estava produzindo o CD do Olho de Gato, eu contei para o Bola – baterista do Olho de Gato – que quando eu tinha dez anos de idade eu tocava uma música dele. Peguei o violão e toquei. Cara! Ele chorou. Tudo isso porque o Carlinhos me passava essas músicas.

            Depois de dois anos estudando violão, Guilherme subiu em um palco pela primeira vez. Em 1984, Carlos Colman tocou em um festival de rock realizado no Horto Florestal, junto com a banda Alta Tensão e o cantor Simona. Carlinhos convidou Guilherme para tocar uma música junto com ele no show. O guri não amarelou, levou uma fita com a música “Casa velha” para estudar em casa.

            — Eu lembro com detalhes desse dia, lembro claramente do show. Lembro até que acabou a luz. A banda do Carlinhos era o Bosco na bateria, o Edinho e o Orlando Brito nas guitarras, só não lembro quem era o baixista. No meio do show ele me chamou, eu subi lá e cantei...

...Guilherme se interessou pela guitarra quase que ao mesmo tempo em que absorvia as suas primeiras referências musicais. Desde muito novo, ele teve contato com os discos dos seus pais. Os seus preferidos eram Tim Maia, Ivan Lins e Ney Matogrosso. Mas com sete anos, Guilherme conheceria a banda que mudaria sua vida.

            Nessa época, uma moça de Bataguassu trabalhava na casa de Guilherme. Leonice gostava de rock, e foi ela a responsável por mostrar essa nova “seara” da música para o pequeno Guilherme. Quando seus pais saiam, os dois ficavam ouvindo os discos que ele gostava na coleção de seu pai. Um belo dia Leonice fez a pergunta fatal: “Você tem Kiss ai?”

            — A gente ficava ouvindo Tim Maia e Ivan Lins, ai um dia a Leonice me perguntou se eu tinha Kiss. Cara! Kiss? Ela me mostrou e eu fiquei doido, aqueles caras tocando guitarra... Eu achei aquilo do caralho.

            Se Guilherme já gostava da música regional que aprendeu com Carlinhos e da MPB dos discos do pai, quando conheceu o rock, conseguiu assimilar bem toda essa diferença de influências.

            — Eu consegui fazer bem essa mistura. Eu gostava do Tim Maia e do Ivan Lins, mas também gostava do Geraldo Espíndola e do Almir Sater. E gostava do Kiss. Foi assim até eu ir fazer aula com o Edinho. Quando eu tinha 13 anos eu desliguei de música regional e de MPB. Comecei a fazer uma pesquisa “rock’n’roll”. Depois do Kiss, a Leonice me mostrou o “Hot Space” do Queen. A influência musical dela acabou ai, depois eu corri atrás.

Depois do Kiss e do Queen, Guilherme descobriu por contra própria AC/DC e os Beatles. Começou a ouvir tudo que aparecia em suas mãos, mas as bandas realmente fizeram a sua cabeça, Guilherme mergulhou a fundo em suas obras.

— Eu queria ouvir tudo, conheci os Beatles com 14 anos e fiquei doido. As bandas que eu gosto, eu realmente entrei no material. Rolling Stones, por exemplo, eu sei pouca coisa, já Kiss, AC/DC, Queen e Beatles eu sei tudo. Se eu pegar uma guitarra eu toco quase tudo do Kiss.

A importância dos pais na carreira musical de Guilherme vai além da sábia ideia de trocar o tratamento médico pelo violão. Seus pais sempre incentivaram a sua música. Quando Guilherme ainda fazia aula com Carlos Colman, ele ficava sabendo de todos os shows que aconteciam em Campo Grande, e seus pais tinham que levá-lo, gostassem ou não.

— Meus pais me levavam nos shows. Eles ficavam doidos, mas me levavam. Eu lembro que teve um show do Alta Tensão em uma escola, e eu e minha mãe tivemos que pedir informação para achar a escola. Acho o maior barato isso neles.

Guilherme nunca teve problemas em casa por causa da música. Ao contrário, sempre teve muito apoio. Boa parte disso se deve ao equilíbrio que Guilherme fazia entre a música e os estudos. Ele não mudou a sua rotina por causa da música. 

Além de estudar, Guilherme também fazia natação no Rádio Clube – onde conheceu dois futuros parceiros musicais: Fábio “Corvo” Terra e Marcelo Pettengill.
Apesar dos estudos e da natação, continuava a estudar música, mas, sem muitas pretensões. Na verdade Guilherme nunca pensou em ser músico, o instrumento era apenas uma conseqüência.

— Eu nunca pensei em largar os estudos para ser um “rockstar”, eu fazia tudo paralelamente. A música nunca foi o meu objetivo. Talvez por isso que eu nunca tive problema em casa. Mas eu tenho certeza que se eu falhasse nos estudos, certamente eu teria problemas. Mas como eu sempre fui equilibrado, só tive apoio...

...Guilherme estudou até a 2ª série do 1º Grau – atual 3º ano do ensino fundamental – na escola da professora Dolly, atualmente Alexander Fleming, depois foi para o colégio São Bento, onde conheceu os primeiros parceiros musicais. Foi estudando no São Bento que Guilherme teve a oportunidade de tocar a primeira vez com banda. E a sensação foi inesquecível.

— Quando o Corvo foi estudar no São Bento é que começou a brincadeira. Ele e o Deco tocavam direto na casa do Deco. Toquei algumas vezes com o Deco e Corvo lá, mas sem baixo. Em uma casa lá na Coopharádio, não sei de quem era, eu toquei guitarra com o Deco na bateria e o Alexsandro no baixo. Foi a primeira vez que eu toquei com banda. Foi igual perder a virgindade. Foi incrível!

Após sentir na veia o que é tocar com banda, Guilherme ficou viciado. Sabia que aquilo seria uma coisa importante na sua vida por muito tempo. “Eu realmente não tinha a intenção de ser músico, nunca planejei nada, as coisas aconteceram naturalmente na minha vida”.

Esses ensaios na casa do Deco seriam o embrião do futuro Inverno Russo, mas antes de efetivamente ser o guitarrista da banda, Guilherme tocou com a banda Outdoors.

— A época do Outdoors foi uma experiência musical interessante. Eles me procuraram e disseram que só tocavam músicas próprias, eu achei legal. Cheguei no ensaio e os caras tinham umas dez músicas próprias, eu só tinha que aprender a música e fazer os solos. Foi o meu primeiro contato com música autoral, isso foi muito bom para mim.

Depois dessa passagem pelo Outdoors, Guilherme voltou para o Inverno Russo, mas a experiência de tocar músicas autorais deixou um gostinho de quero mais. Tendo que lidar com um repertório basicamente só de covers, a vontade de compor e cantar suas próprias músicas começou a florescer.

— Na época do Inverno Russo eu não estava satisfeito em tocar cover. Meu prazer era tocar essas músicas no violão, para os meus amigos. Eu não estava a fim de fazer uma banda daquilo.

            A composição entrou na vida de Guilherme muito cedo. Desde que ganhou o primeiro violão, já tentava compor. Ele juntava os três acordes que conhecia e criava músicas instrumentais. “Eu brincava que eram as minhas músicas. Era uma brincadeira, mas eu sei até hoje, eu tenho essa brincadeira até hoje na minha cabeça”.

É dessa época também a vontade de escrever letras. Desde muito novo Guilherme gostava de escrever. Mas, ainda não tinha capacidade alguma de colocar música em cima. Foi aos 13 anos que ele fez o seu primeiro esboço do que seria uma música.

            — Eu fiz uma música em inglês e mostrei para o André – tecladista do Inverno Russo. O nome da música é “I need your eyes”. Ela tem uma cadência tipo Beatles porque quando eu fazia a 8ª série eu descobri os Beatles, aí percebi que dava para fazer música. O André tira o sarro de mim até hoje porque ele sabe o refrão. Kkkk!

            Quando tinha entre 15 e 18 anos, Guilherme diz que já compunha música de “verdade”. A sua primeira composição de “verdade” não tem nome. Seu primo até tentou balizá-la de “Restos mortais” – que faz parte do refrão – mas Guilherme achou horrível, até porque, a letra é bem romântica.
           
— Eu lembro exatamente da situação dessa música. Ela não foi feita para uma pessoa ou uma situação. Lógico que tem a “gasolina”, um incentivo do sentimento, mas não feita demonstrando uma situação. Não narrava uma história que estava acontecendo comigo na época, mas sim um sentimento que me levou pensar em uma letra. Eu a chamo de música de “verdade” porque ela já tem uma concepção de melodia...

...Guilherme não tem regra para compor. Às vezes, a letra vem antes e ele coloca música em cima, outras, o que vem primeiro é a melodia, e tem também aquelas que nascem prontas. Guilherme fez “Monocromo” – do disco “República dos Livres Pensamentos” – em 15 minutos. “Paixão minha” – do mesmo disco – nasceu inteira de uma vez. Como ele mesmo diz: “Foi vomitada”.

“Paixão minha” tem duplo sentido. A música traça um paralelo entre a geografia e uma paixão, ela pode falar de um lugar – Campo Grande – ou de uma pessoa. Guilherme gosta de deixar essa dúvida nas pessoas: “Fica essa questão no ar, essa é a onda da música”. Mesmo cheia de enigmas, a música tem várias referências explícitas à cultura regional.

            — Quando eu fiz essa música, a minha intenção era fazer um paralelo entre uma relação pessoal e uma cidade. “Não sei por que tiraram nossos trilhos paixão minha”, pode ser terminar uma relação ou os trilhos que foram tirados de Campo Grande. “Não sei por que enxergo tudo nas entrelinhas”, Campo Grande é cheia de entrelinhas culturais. “E terra boa dizia a menina um dia”, é uma referência clara da música “Terra boa” cantada pela Alzira Espíndola quando era uma menina. “Aqui o poeta bebia e do trem escrevia”, é o Paulo Simões. “E o parceiro voz rouca a todos dizia que austeridade demais só traz melancolia”, é o Roca, inclusive na música “Mais loucos do que a média” ele cita “austero demais”...

...Após concluir o 3º ano do segundo grau – atual 3º ano do ensino médio – Guilherme decidiu investir nos seus estudos musicais. Deixou o Inverno Russo e foi para os Estados Unidos estudar guitarra. Aos 17 anos, Guilherme mudou para Los Angeles e se matriculou no GIT (Guitar Institue of Technology).

            O GIT entrou na sua vida como a música, por acaso. Guilherme já conhecia a escola e até tinha o livro com as informações para se matricular, mas estudar fora não era o seu projeto. Ele estava inscrito no vestibular para Engenharia Elétrica na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), iria seguir com a vida estudantil, até que o encontro com um famoso guitarrista mudou seus rumos.

            — Se eu tivesse feito faculdade nessa época, eu estaria formado com 22 anos. Poderia ter sido uma vida bem diferente. Eu ia fazer vestibular para Engenharia Elétrica. Imagina! Sei lá porque Engenharia Elétrica. E com 17 anos a gente sabe alguma coisa? Com essa idade a gente não sabe do que gosta.

            Em 1991, Guilherme participou de uma clínica de guitarra ministrada pelo músico Tomati, guitarrista da banda do Jô Soares. Antes de começar a clínica, Tomati se apresentou dizendo que era guitarrista profissional formado no GIT. Após se impressionar com a técnica do guitarrista, Guilherme viu ali um sinal. “Poxa! Eu já tenho o livro do GIT, vou falar com ele”.

            — Depois de ver o “absurdo” que ele tocava, eu fui falar com o Tomati. Perguntei para ele como era morar lá, como era a escola... Ele me deu a maior força. Disse que era tranquilo, que eu iria encontrar ajuda fácil por lá. Foi um ponto decisivo para eu ir. Eu senti firmeza. Era real. Então fui falar com meus pais. 

            Mais uma vez, Guilherme recebeu total suporte e apoio dos pais. Eles também acreditavam que o filho deveria continuar estudando música. “Acho que eles visualizavam uma carreira”. Em fevereiro de 1992, Guilherme se mudou para L.A.

Mesmo ciente que seu estudo musical era muito pouco para o que iria encontrar em Los Angeles, Guilherme levou um choque. Descobriu que tocar bem é muito mais do que saber tocar e solar. Um professor disse que ele teria que mudar o jeito de palhetar, outro alertou que o seu Bend era tecnicamente muito ruim. Guilherme teve que reaprender a tocar guitarra.

            — Eu comecei a tocar guitarra do zero. Caí na real que a música é muito além, você começa a estudar hoje e quando estiver com 70 anos ainda está aprendendo. Aí eu relaxei, música é só aprender. Eu comecei a fazer os exercícios do zero, só que com 18 anos e podendo estudar oito horas por dia.

            O GIT tem um sistema de ensino que obriga o aluno a conhecer vários estilos musicais. Existem as aulas teóricas, que são obrigatórias, em sala com vários alunos, e as eletivas, as quais a escola escolhe um professor específico para as aulas privativas. É o aluno que monta a sua grade e o seu currículo, desde que cumpra o número determinado de horas para se graduar. Com muito tempo para estudar e ótimos professores a disposição, Guilherme pôde aprender com excelentes músicos, e alguns, bem famosos.

            — O meu professor obrigatório e particular, que eu tinha uma hora por semana, era um cara de jazz, Dave Hill, o cara era fera, muito bom, mas a minha praia era rock’n’roll. Eu tive a oportunidade de estudar com o Paul Gilbert – guitarrista da banda Mr. Big – que era muito famoso na época. Eu consegui assistir aula dele com mais cinco alunos na sala, isso não tem valor. Você vê que o cara existe e que é simples como todo mundo. Porra! O cara é um megastar e esta aqui na minha frente dando aula de chinelo. Nessa escola você aprende de tudo, até a respeitar um músico.

Guilherme se dedicou muito aos estudos, mas sem deixar de aproveitar o que Los Angeles tem de melhor: a vida cultural. A maioria dos seus amigos gostava de aproveitar o fim de semana para viajar para Las Vegas ou San Francisco, Guilherme preferia gastar seu dinheiro com shows.

— Los Angeles tem uma infinidade de coisa para ver e conhecer. Eu assisti vários shows, assisti tudo que eu podia. Eu fui aos shows do Van Hallen, Aerosmith, Extreme, Scorpions, Living Colour, Vince Neil… vários. O primeiro que eu assisti foi o Bon Jovi, na turnê Keep The Faith, com dois dias de Califórnia.

            Guilherme comemorou seus 18 anos em Los Angeles. Como tinha algum dinheiro guardado e podendo tirar carteira de motorista, comprou um carro, um Fox – similar ao brasileiro Voyage. Devidamente motorizado, começou a rodar pela cidade e a conhecer pessoas fora da escola. Foi em uma dessas andanças que Guilherme encontrou a oportunidade de tocar em uma banda.

            — Eu fui assistir o Kiss colocar as mãos no Rock Walks Guitar Center , aí eu vi um cartaz colado em um poste. O cartaz dizia que a banda procurava um guitarrista com as mesmas influências minhas. Aí eu pensei, eu sou esse cara.

            Guilherme fez o teste, passou, e entrou para o Billionaire Boys Club. A banda tinha um visual semi-glam, com um som tão pesado quanto à maquiagem. Com o Billionaire, Guilherme passou a frequentar o circuito de shows da Sunset Strip.
Bares como o Rainbown – onde o Guns’n’Roses gravou o clipe de “November rain” – o Roxy, o Whiskey a Go Go e o The Troubador liberavam a entrada para as bandas que queriam divulgar seus trabalhos. Foi em uma dessas noites de divulgação que Guilherme ficou amigo do porteiro do Whiskey, de uma forma bem inusitada.

— A gente saía para divulgar a banda nesses bares. Um dia nós chegamos ao Whiskey, todos maquiados, e o porteiro pegou o nosso flyer para conferir e disse em português: “mas que bichinha”. Eu falei: “bichinha é você seu viado”, ele morreu de rir. “Porra! Você é brasileiro”. Depois disso a gente ficou amigo, e mesmo que eu não fosse para divulgar a banda eu entrava de graça.

            Nessa época, a banda Red Hot Chilli Peppers estava procurando substituto para o guitarrista John Frusciante, e para isso, resolveu realizar um teste aberto ao público. Qualquer pessoa poderia fazer o teste, era só marcar o dia e a hora. Guilherme decidiu tentar a sorte, chegou até a ir ao local, mas desistiu.

            — Tinha um amplificador Marshall, uma câmera de vídeo, uma pessoa te direcionando, e só. Eu não cheguei a gravar, demorou muito. Eu fui embora senão perderia minha carona com o Marcelo Gomes...

...Em 1994, os Estados Unidos sediaram pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol. Certamente, qualquer brasileiro amante do futebol, daria tudo para estar nos Estados Unidos, mas o vascaíno Guilherme fez o caminho inverso. Enquanto Romário construía o tetracampeonato para o Brasil, Guilherme voltava para Campo Grande.

            — Eu estava lá e vim embora, imbecil né? Por isso que a passagem estava barata. Kkkk! Mas, na verdade, eu não queria ficar, até porque, se eu ficasse para a Copa ia gastar mais dinheiro.

            Guilherme voltou ao Brasil com uma certeza em sua cabeça, ele já sabia o que queria fazer. “Eu queria acertar as coisas e ir para São Paulo”. Assim que chegou a Campo Grande, Guilherme se juntou novamente ao Inverno Russo, só que esse “novo” Inverno Russo tinha outra proposta.         A intenção da banda era apostar em um hard rock com letras sarcásticas.

            — A gente tocava hard rock, podia escrever em inglês, mas para que inglês? Se a gente gosta, vamos escrachar. A influência veio do Ultraje a Rigor, que falava das meninas de uma forma irônica.

            A banda tinha a intenção de trabalhar essas músicas em São Paulo, mas um problema envolvendo a “marca” Inverno Russo, catalisou essa ideia. Sem poder usar o nome Inverno Russo, Guilherme, Guga e o baterista Deco foram batalhar esse trabalho em São Paulo no início de 1995. Agora como Belladona.  

            Guilherme voltou dos Estados Unidos em julho de 1994, no começo do próximo ano já estava morando em São Paulo. Ele só voltaria a morar em Campo Grande em 2000...

...Após o fim do Belladona, Guilherme não voltou para Campo Grande, de São Paulo foi de novo para Los Angeles. Não sabia ao certo o que faria na sua segunda vez nos Estados Unidos. Quando chegou, descobriu que iria estudar áudio no RIT (Recording Institute of Technology).

            Se na primeira ida aos Estados Unidos Guilherme teve todo o custo bancado pelos pais, dessa vez foi um pouco diferente. Ele vendeu todo o seu equipamento musical e o seu carro, e em agosto de 1998 partiu para Los Angeles.

            — Dessa vez não foi tão “paitrocinado”, eu tive ajuda sim, mas foi diferente. Eu era mais maduro, segurei mais. Assisti muito menos shows do que na primeira vez.

            Assim que chegou em Los Angeles, Guilherme foi morar com o ex-companheiro do Billionaire Boys Club, Johny Ventura. Johny e outro músico, o baterista Rob Jones, convidaram Guilherme para dividir uma casa no Valley – Distrito de Los Angeles. “Topei na hora, os caras eram muito legais”. Como a RIT é em Hollywood, bem longe do Valley, Guilherme comprou um carro – uma BMW 320I, ano 1984, por 2700 dólares.

.           A escola oferecia dois horários para as aulas: diurno e noturno. Guilherme primeiro estudou de dia, mas logo mudou para o período noturno. “Eu funcionava muito melhor à noite”. Os alunos do período diurno tinham influências diferentes dos da noite. Estudando nas duas turmas, Guilherme teve a oportunidade de ter contato com pessoas de vários lugares.

            — Quando eu estudava de dia eu conheci a galera do RAP, o contato era totalmente outro. Aquele bando de “negões”, igual nos filmes mesmo, foi muito legal esse contato. Conheci colombianos, argentinos, europeus... Na minha turma da noite tinha um belga, um sueco, um argentino e um norte-americano. Foi uma conexão imensa, fiz amizades que tenho até hoje...

...Mas na sua segunda passagem por Los Angeles, nem tudo foi só alegria. Guilherme sofreu um acidente de carro a 150 km. Ele dirigia a sua BMW por uma freeway quando a roda do carro simplesmente caiu. Para piorar ainda mais a situação, o acidente aconteceu de madrugada, em um bairro mexicano barra-pesada – o mesmo bairro onde a banda Guns’n’Roses gravou o vídeo clipe da música “Welcome to the jungle”.

            — O pneu furou e foi esvaziando aos poucos, de repente a roda saiu. Imagina controlar um carro a 150 km sem roda? Kkkk! Ai eu parei em um posto de gasolina e pedi ajuda, o atendente nem saiu de dentro do caixa, me mandou seguir em frente. Cara! Eu trocando pneu de madrugada em um bairro mexicano de Los Angeles. A roda estava quente, eu não conseguia segurar. Foi uma situação horrível.

            Em 1999, Guilherme terminou seus estudos de áudio e voltou para o Brasil. Ele até cogitou a hipótese de ficar por um tempo indeterminado nos Estados Unidos, mas decidiu voltar. De Los Angeles, foi direto para São Paulo trabalhar em estúdio. Logo que chegou, Guilherme foi trabalhar no Estúdio 43, mais tarde, começou também a trabalhar no estúdio Midas.

No início, além de trabalhar com gravação, Guilherme também dava aulas de inglês. Como produtor, pôde trabalhar com artistas de vários estilos. No Estúdio 43, por exemplo, Guilherme gravou muito pagode.

            — Quando eu trabalhava no Estúdio 43 eu gravei muitos grupos de pagode. O Lino – saxofonista e flautista – do Negritude Jr. levava todas as suas produções para lá. Então, nem sei o número de grupos de pagode que eu gravei lá, foram muitos.

            Foi no estúdio Midas, do músico e produtor Rick Bonadio, que Guilherme pode trabalhar com artistas de ponta. Novamente gravou muito pagode, como os cantores Belo e Vavá, mas teve o privilégio de trabalhar como assistente de produção do disco “Isso é Amor” do IRA! e do “18 Anos Sem Tirar” do Ultraje a Rigor.

— Logo que eu cheguei no Midas eu peguei de cara o IRA! e o Ultraje. Porra! Eu trabalhava em um estúdio que só gravava pagode, graças a Deus que eu estou trabalhando aqui. Eu senti orgulho de estar trabalhando com uma coisa que eu gostava. Poxa, o Ultraje é referência, tenho raízes.

Porém, quando começou a trabalhar no Midas, Guilherme teve que se dedicar exclusivamente ao estúdio. Não conseguia mais dar aula de inglês e nem trabalhar em outros estúdios. Mas, o retorno financeiro compensava, com o salário que ganhava trabalhando no Midas, podia morar sozinho em um apartamento em Higienópolis, no centro de São Paulo.

            O hit “Tropa de Elite” da banda Tihuana, também passou pelas mãos e ouvidos de Guilherme. O disco que tem essa música – “Ilegal” – foi inteiro produzido no Midas. Outra produção importante foi com a dupla Sandy e Jr.. Guilherme participou de toda parte de overdub do disco “As Quatro Estações Ao Vivo”.

— O disco do Tihuana eu trabalhei desde o início, desde as demos . Foi muito legal, na verdade foi fantástico. O disco da Sandy e Jr. foi uma produção muito importante para mim. Foi uma das coisas mais legais que eu já fiz.

            Depois de cinco anos morando longe de casa, Guilherme voltou a morar em Campo Grande no ano 2000. Como fazia quando vinha de férias, Guilherme tocava com o Naip. O que dava imenso prazer ao Guga, que preferia ter o parceiro morando aqui na Capital. A sua intenção era ficar apenas por uns tempos, e depois retornar para São Paulo, mas, da mesma forma que o encontro com o Tomati levou Guilherme por outros caminhos, um convite à toa do amigo Dog mudou de novo o rumo da história.

            — Eu estava na academia com o Dog, malhando e batendo papo, aí ele me chamou para fazer vestibular para Administração na UFMS. Eu falei que não queria, mas ele insistiu, lembrando que era uma Universidade Federal. Acabei me inscrevendo no último dia das inscrições.

            Guilherme estava em Maresias – praia do litoral norte de São Paulo – quando saiu o resultado do vestibular. Ligou para a sua mãe e recebeu a resposta que já era esperada: “Imagina! Passou nada guri!”. Com a negativa no vestibular, Guilherme decidiu que era hora de voltar para o Midas. Afinal, trabalhando com estúdio em Campo Grande, ele nunca ganharia o que ganhava em São Paulo. Um mês depois, chega uma carta da faculdade dizendo que Guilherme havia entrado na segunda chamada.

            — Eram 50 vagas, eu fiquei em 54º. Aí eu tive que decidir se ficava em Campo Grande ou voltava para São Paulo. Poxa cara! Eu fiz o 3º em 1992 e passo no vestibular em 2000 em um curso que a concorrência era 26 por vaga? É muita sorte. Eu não ia perder a oportunidade de cursar uma Universidade Federal de graça. Então eu resolvi ficar. Eu me formei em Administração em 2004.

            Paralelamente à faculdade e a alguns trabalhos em estúdio, Guilherme era guitarrista da banda Naip. A proposta de repertório do Naip era o mesmo da primeira fase do Inverno Russo, mas Guilherme não queria mais tocar cover em festinhas. Ele queria trabalhar suas próprias músicas, chegou até a mandar um projeto de um disco solo para o FIC (Fundo de Investimentos Culturais).

            — Do repertório desse disco, algumas entraram no primeiro disco do Filho dos Livres, como “Numa outra estação” e “Não dá pra te esquecer”. O Filho dos Livres foi uma coisa natural. Eu não queria mais tocar cover...

            ...Assim como o Guga, Guilherme também está gravando um disco solo. Como o disco do Guga, o seu, não tem nada a ver com o Filho dos Livres. Enquanto o Guga está gravando um disco praticamente eletrônico, o disco do Guilherme é instrumental.

            — Eu já tenho quatro músicas escolhidas para o meu disco, e duas eu já comecei a gravar. O meu disco é instrumental e não tem nada a ver com o Filho dos Livres, tem a ver comigo. Eu não quero fazer um disco cantado. Apesar de ter várias músicas com letra que talvez, eu digo talvez porque eu não sei, não são músicas para o Filho dos Livres. Hoje eu não estou a fim de usar essas músicas, eu quero gravar um disco instrumental.

            Guilherme acredita que esses trabalhos paralelos ajudam na parceria com o Guga. Até por que, quando os dois sentam para trabalhar o Filho dos Livres, eles só focam esse trabalho. Os dois sabem muito bem diferenciar o que é trabalho de apenas tocar violão. Eles são muito profissionais quando o assunto é o Filho dos Livres.

            Para Guilherme, o terceiro disco de músicas inéditas do Filho dos Livres deve ser composto inteiro do zero. As músicas deverão ser feitas todas em parceria e dentro do conceito já existente do trabalho.

            — A gente não quer abrir o nosso baú de composições e pegar algumas músicas minhas e outras do Guga e vomitar um disco novo. O disco tem que sair como o Filho dos Livres tem que ser, dentro do conceito do Filho dos Livres. A gente já construiu uma discografia, é um trabalho que existe e é consolidado, então a gente não pode fugir disso.

            Devido aos trabalhos solos e as inúmeras ocupações de Guga e Guilherme, o Filho dos Livres está trabalhando com o repertório dos discos antigos. Esses discos solos refletem isso, que o Filho dos Livres não tem nada, por enquanto, que possa ser gravado e lançado.

            — A única coisa que a gente sabe do terceiro disco do Filho dos Livres é que ele vai ser feito do zero, igual ao “República dos Livres Pensamentos”. Mas para fazer isso, tem que estar no astral do que a gente quer fazer, e a gente não sabe ainda o que quer. Essa é uma fase de transição, acho até que nossos trabalhos solo refletem esse momento. E no momento, nós não temos nada de novo para o Filho dos Livres. A gente só vai fazer um disco novo quando a gente souber o que quer, só que ainda não encontramos o que quer fazer. O importante é fazer um disco que a gente queira fazer, que esteja fechado com o conceito da banda.


O Melhor Regional de Novelas.





A ideia desse post nasceu em um papo que tive com os amigos jornalistas e professores Alexandre Maciel e Carlos Kuntzel. Entre um gole e outro de cerveja conversávamos sobre a qualidade da cena de música urbana de Campo Grande em relação às bandas de pop/rock que dominam as paradas de sucesso nas rádios e TVs. Entre várias opiniões, “achismos” e teorias, o Maciel comentou que a música “O amor é brega”, da banda Jonavo e Barulho Zen, encaixaria perfeitamente na trilha sonora da novela “Malhação”, da TV Globo.

A partir daí, começamos e citar outras bandas e artistas que poderiam também estar em trilhas das novelas globais. Percebemos então, que a música urbana sul-mato-grossense poderia sim embalar as aventuras e romances dos casais globais. Ainda sacramentamos que, seja na qualidade das composições, ou na capacidade técnica, os nossos músicos não deixam nada a desejar aos famosos. Talvez, se a música urbana de Mato Grosso do Sul estivesse, assim como o sertanejo universitário, inserida na grande mídia, a sorte dos nossos conterrâneos poderia ser outra.

Empolgado com a história, peguei as músicas citadas por nós, juntei com mais algumas e criei uma espécie de trilha sonora de novela “imaginária” formada só por músicas urbanas sul-mato-grossenses. Dentre elas, estão dois hits dos já consagrados Bando do Velho Jack e Filho dos Livres, duas lindas canções das bandas Haiwanna e Caballeros, além do belíssimo tema instrumental com os Bêbados Habilidosos. Confesso que com uma trilha desta eu até passaria a assistir novela. E vocês? Comprariam um disco com esse repertório? Comentem...


1. O Bando do Velho Jack - "Palavras Erradas"



2. Bêbados Habilidosos - "O Último Gole"



3. Caballeros - "Dentro da Minha Cabeça"



4. Filho dos Livres - "Meu Carnaval"



5. Geraldo Espíndola - "É Necessário"




6. Haiwanna - "Super-Herói"



7. Jerry Espíndola - "Meu Vício"



8. Jonavo & Barulho Zen - "O Amor é Brega"



9. Olho de Gato - "Teu Beijo"



10. Vaticano 69 - "Breve Estudo Sobre o Tempo"




Rock’n’roll all nite, and party everyday!




O que levaria quatro músicos com carreiras já estabelecidas a formarem uma banda tributo ao Kiss? A resposta óbvia é que os caras são fanáticos pela banda, e ela até cabe nesse caso, só que a War Machine agrega uma peculiaridade: é um sonho de infância de três garotos. Emerson Cambará, Guilherme Cruz e Rodrigo Tozzette se conheceram na mesma época em que descobriam a paixão pela banda norte-americana.

“Eu estudava no mesmo colégio do Rodrigo, a gente tinha uns onze ou doze anos, e já queria formar uma banda e tocar músicas do Kiss. Nessa mesma época, eu e o Emerson ouvíamos os discos do Kiss e pensávamos como seria um barato tocar as músicas deles”, lembra Guilherme. 




Os anos se passaram, os três cresceram, se tornaram músicos respeitados e integraram algumas das mais importantes bandas do cenário rock’n’roll sul-mato-grossense. Atualmente, Emerson toca bateria na banda Cassino Boogie, Guilherme é guitarrista, violonista e vocalista do Filho dos Livres, e Rodrigo, vocalista e guitarrista do Bando do Velho Jack.

Mesmo construindo carreiras sólidas, os três amigos ainda não haviam realizado o sonho de infância. Esse desencontro durou até outro fanático pelo Kiss cruzar seus caminhos. Roger Simmons é vocalista da banda Rivers, e, além de ser fã dos roqueiros mascarados, é excelente músico e tem uma garganta poderosíssima. Assim nasceu o War Machine – Kiss Tributo, com Emerson na bateria, Guilherme na guitarra e vocal, Rodrigo na voz e guitarra e Roger, voz e baixo.




A War Machine não é uma banda cover, os músicos apenas fazem um tributo a banda que fez a cabeça deles e de milhões de fãs ao redor do mundo. Quem quiser conferir a realização do sonho desses caras, é só aparecer hoje no Bar Fly, a partir das 22h. No repertório estão clássicos como “Rock’n’roll all nite”, “Detroit rock city” e “I love it out loud”, além de outras músicas nem tão conhecidas, pelo menos para os não fanáticos, que não é o caso de Emerson, Guilherme, Rodrigo e Roger.





Pais do Rock Rural tocam em Campo Grande na próxima semana.




A próxima atração da “Noite da Seresta”, no dia 12 de agosto, é a dupla Sá e Guarabyra. Os dois cantores e compositores são verdadeiros fabricantes de sucesso. Desde o início da dupla, em 1973, Sá e Guarabyra vêm colecionando prêmios em festivais, prêmio de melhor jingle, feito para a Pepsi, além das várias músicas em trilhas de novela e que até hoje estão entre as mais pedidas em qualquer roda de violão.




Em 1985, Sá e Guarabyra emplacaram nada menos que três músicas nos dois volumes da trilha sonora da novela Roque Santeiro: “Verdades e mentiras”, o tema “Roque Santeiro” e “Dona”, interpretada pelo Roupa Nova. “Espanhola”, composta pelo mineiro Flávio Venturini, que ficou conhecida na voz da dupla, não pode faltar no repertório de um bom violeiro.




A dupla de sucesso, outrora já foi um trio, e mesmo não tendo o sucesso comercial da sucessora, o trio criou um novo estilo: o rock rural. O rótulo não se deve apenas a fusão da música urbana com o universo rural. Nos anos 70, a cultura rural ainda era vista pelos urbanos como de “segunda categoria”, e a ideia que se tinha do homem do campo, era de um ser simplório e com pouca cultura.



Sá, Rodrix e Guarabyra ficaram juntos por apenas dois anos, de 71 a 73, gravaram apenas dois discos, mas as canções do trio romperam a barreira preconceituosa entre essas culturas. Quando esses três rapazes cultos da cidade começaram a compor rocks com poesias repletas de elementos rupestres, os valores do mundo rural passaram a ser cool.







Músicas como “Cumpadre meu”, “Primeira Canção da Estrada” e “Hoje ainda é dia de rock” exaltam não apenas o astral, a tranquilidade e serenidade da vida no campo, elas trazem uma forte mensagem ecológica. Sá, Rodrix e Guarabyra foram os primeiros músicos a levantar a questão ambiental. Já como dupla, Sá e Guarabyra continuaram empunhando essa bandeira. A música “Sobradinho”, por exemplo, denuncia o impacto causado à cidade, que dá o nome à canção, com a construção da hidroelétrica no rio São Francisco, na Bahia.







A “Noite da Seresta” acontece na Concha Acústica Família Espíndola, na Praça do Rádio Clube. No próximo dia 12 de agosto, o show começa às 19h30, com a apresentação da Banda Maestro Ulisses Conceição. Sá e Guarabyra sobem ao palco às 21h.










Quem foi ver Jota Quest, aplaudiu Guga Borba.







A primeira parte do capítulo do livro postado anteriormente termina com a estreia de Guga Borba como vocalista de uma banda de rock. A continuação dessa história ainda está em pleno desenvolvimento, e no último domingo, teve mais um capítulo. Guga deu os primeiros passos na carreira musical como vocalista da banda Inverno Russo, e, vinte anos depois, o cantor e compositor está lançando seu primeiro disco solo, “Apneia”. Se o Filho dos Livres é o amadurecimento da parceria com Guilherme Cruz, “Apneia” é a síntese de toda a experiência adquirida durante esses anos.

Quem foi ao Parque das Nações assistir ao MS Canta Brasil, viu a competência pop de sempre dos mineiros do Jota Quest e um Guga Borba maduro e seguro. Com a responsabilidade de abrir o show de uma banda do porte do Jota Quest, Guga mostrou um ótimo domínio de palco e do público. Acompanhado apenas por percussão, guitarra e pelo seu violão, o cantor comandou a imensidão de gente – segundo a organização, no momento em que a banda mineira subiu ao palco, o público era de 90 mil pessoas – com segurança de quem labuta na música há vinte anos.

Durante os quarenta minutos em que esteve no palco, Guga mostrou algumas músicas do seu mais recente trabalho e ainda conseguiu fazer um retrospecto da sua carreira. Ele abriu a apresentação lembrando a época do Belladona, com “Standing outside the fire”, do cantor e compositor country Garth Brooks, logo em seguida tocou “Faces e máscaras” do Inverno Russo, e foi acompanhado pela multidão em “Senhorita” e “Meu Carnaval” do Filho dos Livres. Essa última, por sinal, fez aparecer na plateia, mãos segurando celulares e isqueiros acesos. Coube ainda espaço para uma descontraída brincadeira com o nome do Estado na música “Se você vier pro Mato Grosso”, de Renato Teixeira.

Com o público nas mãos, Guga estava bem à vontade para encerrar o show com as composições do seu novo, e primeiro disco solo. Com menos de um mês de lançamento, as músicas “O Relógio” e “Mulher muito bela” foram muito bem recebidas, mostrando que essa nova fase da carreira de Guga Borba ainda vai render muitos frutos, shows e momentos incríveis, como os do último domingo.







Fechando o segundo capítulo do livro sobre a parceria de Guga Borba e Guilherme Cruz, segue o restante da história de Guga. Lembro, novamente, que estou postando apenas trechos do livro, e que os capítulos anteriores estão nos posts antigos.






...Em 1998, quando Guga foi morar com a mãe, ele teve que se adaptar à nova vida. Com a mudança de situação, ele foi trabalhar em uma loja no Shopping Campo Grande. Mas foi justamente neste contexto, de vida nova, shopping e Giocondo, que Guga encontrou os primeiros parceiros musicais.

        Em suas andanças de bicicleta pelo bairro novo, Guga foi parar em uma quadra de vôlei, onde conheceu seus futuros parceiros de Inverno Russo. Quando ele chegou, a primeira coisa que chamou sua atenção foram as meninas que assistiam ao jogo. Após o jogo, rolou uma roda de violão, e quando Guga viu que o cara que tocava violão era muito ruim, pediu: “Me deixa tocar esse violão ai?”

        — Eu só sabia tocar três músicas, as três do Pink Floyd, “Wish you were here”, “Mother” e “Confortubly numb”. Quando eu comecei a tocar os caras ficaram de boca aberta. Depois, eles me falaram que estavam montando uma banda e queriam que eu cantasse. Pensei que era piada né?!

           No outro dia o Alexsandro, futuro baixista do Inverno Russo, ligou para o Guga avisando que iria rolar um ensaio na mesma casa em que ele tocou violão. Ainda incrédulo Guga perguntou se não era brincadeira. Alex respondeu: “É sério, o ensaio é amanhã às sete horas, a gente vai tocar “Beth balanço”, “Ska”, entre outras”. 

           No dia e na hora combinada lá estava Guga. Como conhecia as músicas do repertório, não teve problema com as letras, soltou a voz com vontade. Dog também trabalhava no shopping, e um belo dia após o trabalho, Guga o convidou para assistir o ensaio da banda.

            — Eu fiquei impressionado com o talento de cada um deles. Todos eram mais jovens do que eu e faziam aquilo como gente grande. Eu lembro bem do Guga com o microfone na mão, era um veterano com apenas 16 anos de idade. Me tornei fã na hora.

  A primeira formação do Inverno Russo era o Guga no vocal, Alexis no sopro, André Coelho no teclado, Alexsandro no baixo, Fábio “Corvo” Terra na guitarra e o Alexandre “Deco” Lacôrte na bateria. É nessa parte da história que a vida de Guga e Guilherme se cruza. Guilherme se lembra de na verdade, ter tocado no Inverno Russo antes do Guga entrar.

            — Quando eu era do Inverno Russo, o Guga ainda não era da banda. Esse é o grande lance, pois teve o Inverno Russo e o pré-Inverno Russo. No começo era o Fábio “Corvo” Terra e o Deco, e às vezes eu ia lá tocar guitarra. Eles não tinham nem baixista ainda, depois que eles chamaram o Alexsandro. Nessa época o vocalista era um cara chamado Carlinhos.

          O Inverno Russo foi a primeira banda profissional de Guga. Em pouco tempo, a banda já era conhecida, e Guga, com apenas 15 anos, já era notícia. Um amigo próximo, Rubens Costa Marques, assinava uma coluna no Jornal de Domingo e fez uma matéria com o Inverno Russo. Duas semanas depois, Rubens fez uma matéria só com o Guga, foi ai que seus pais perceberam que o Guguinha já era o Guga Borba do Inverno Russo.

            — Depois que eu sai no jornal meus pais perceberam que o lance era sério. Pouco tempo depois, teve uma gincana da Capital FM, e eles pediram uma foto de um dos integrantes do Inverno Russo. Eles foram bater aqui em casa, minha mãe ficou doida: “Nossa, meu filho está famoso, até foto estão pedindo”.  Meu pai também ficou muito orgulhoso...

  ...Na época que Guga entrou no Inverno Russo, Guilherme estava saindo para tocar com a banda “Outdoors”. Mas logo voltaria ao Inverno Russo, o que facilitaria muito a possibilidade de Guga emplacar suas músicas. 

  Depois que Jim Morrison escancarou as portas da percepção da mente de Guga, ele começou a escrever suas próprias músicas. Conseguir escrever e tocar era o mais importante naquele momento. Ele levava suas composições nos ensaios do Inverno Russo, mas o restante da banda não curtia.

  — O Rodrigo Teixeira morava perto da minha casa, então eu ficava ouvindo eles tocarem e pensava: Poxa, os caras estão fazendo o som deles e eu aqui tocando cover ? Eu vou cantar músicas dos outros até quando?

              Nessa primeira fase do Inverno Russo, Guga e Guilherme tocaram juntos apenas em alguns ensaios, mas a dedicação e a seriedade do guitarrista impressionaram Guga. Além de tocar bem guitarra e violão, e de ter instrumentos bons, Guilherme gostava de fazer as coisas bem feitas. Se for para tocar músicas dos outros, vamos tocar igual.

             Depois que Guilherme efetivamente se juntou ao Inverno Russo, a afinidade musical entre eles logo se destacou do resto da banda. Como a banda basicamente tocava covers, Guga gostava de mudar alguma coisa no arranjo das músicas, fazer alguma coisa diferente. O único que entendia e gostava era o Guilherme.

            — Trabalhar com o Guilherme é muito gratificante, ele é muito musical. O que ele pega ele toca, ele monta a versão dele, assim fica fácil para mim. Eu já sei o que tenho que fazer, vai fluindo. Tem outro lado, quando você toca com o Guilherme você não pode errar, senão ele segue em frente e você fica perdido.

            Com toda essa afinidade musical, a amizade fora dos estúdios seria uma questão de tempo. Logo, um começou a frequentar a casa do outro, conhecer a família, e claro, se tornaram parceiros de balada. Quando não estavam ensaiando, estavam juntos por ai tomando cerveja ou azarando as mulheres.

           — Meus pais adoram o Guilherme, minha mãe fala que a gente parece irmão. O doido é que eu tenho um irmão “de verdade” chamado Guilherme.

O Inverno Russo fazia um enorme sucesso nos bares e boates de Campo Grande, a banda era muito requisitada por atrair um grande número de fãs. Os músicos eram muito assediados, principalmente pelas mulheres. Esse sucesso com as mulheres despertou um enorme preconceito entre a rapaziada da época. Guga passou pelo menos por um grande aperto na mão dos enciumados.

           — Eu estava saindo do – bar – Jamaica, quando cheguei na esquina percebi o movimento. Um bando de head-banger  com camisetas do Slayer e do Iron Maiden. “Olha o mauricinho do Inverno Russo, vamos pegar o “New Kids On The Russo”  . Eu corri para o outro lado da rua mas os caras me cercaram. Fudeu né?! Vou levar um pau. De repente eu ouço dois caras falando: “Não vai fazer isso com o cara não, o cara é gente boa, ele gosta de rock também, o cara é meu amigo e é da paz”. Era o Bráulio e o “Boi”. Esses caras me salvaram de levar a maior surra da minha vida.

Aos poucos a banda foi deixando um pouco os covers de lado e começou a compor canções próprias. Guga passava as tardes inteiras na casa do Guilherme compondo. Eles se trancavam em um quartinho e ficavam horas e horas criando os arranjos dessas músicas. Aparentemente tudo caminhava bem para o Inverno Russo, até que um incidente com o nome da banda mudou totalmente os rumo da banda, e de Guga também. 

       O Inverno Russo foi convidado para abrir o show da banda Dr. Sin em Campo Grande, mas a uma semana do show eles recebem uma carta do criador do nome Inverno Russo dizendo que eles não poderiam mais usar o nome. Em uma atitude de protesto, Guga queimou uma camiseta da banda no ginásio da Mace lotado.

        — Eu juro que não queria ter feito dessa maneira tão radical, mas, cara, a gente trabalhou tanto por uma coisa que não era nossa. Porra! Eu me senti muito mal, e a minha maneira de mostrar isso foi queimando a camiseta.

          Depois desse episódio, a banda chegou ao fim. Guga, Guilherme e os outros integrantes conversaram e decidiram que era a hora de tentar algo maior. Eles tinham que ir para São Paulo batalhar um lugar ao sol. Após a conversa, Guga, Guilherme e o baterista Deco resolveram tocar o trabalho a frente e foram para São Paulo montar a banda Belladona...

...A temporada em São Paulo estreitou ainda mais a relação de Guga e Guilherme. O baterista Deco não pôde ir no início porque sofreu um acidente de carro. Então, a carga toda da banda ficou em cima dos dois. Incluindo achar um baixista em uma cidade onde eles não conheciam ninguém. Durante quase dois meses a banda era só os dois. Foi responsabilidade deles abrirem o caminho.

           — O Guilherme me impressionou muito quando a gente foi para São Paulo. Ele não precisava estar ali passando por todo aquele perrengue, ele tinha uma vida boa em Campo Grande. Ele estava ali porque gostava e acreditava...

...Nas sessões de gravação do disco do Belladona, Guga e Guilherme tiveram um envolvimento diferente de apenas tocar e compor. Coube aos dois, juntamente com o técnico, construir o disco.

          — O Deco gravou a bateria e foi embora, o Raul gravou o baixo e foi embora, o produtor aparecia um pouco e ia embora. Então, eu e o Guilherme ficamos sozinhos para cobrir o disco com os outros instrumentos. Foi muito bom para gente isso ter acontecido. A gente passava muito tempo junto, e o bom é que a gente não enjoava um do outro.

Após gravar um disco pela Warner Music e ter feitos vários shows em São Paulo, o Belladona teve um problema de contrato com seu produtor, o que acabou dificultando o trabalho da banda...

...Em 1999, logo que voltou de São Paulo, Guga montou a banda Naip juntamente com o ex-tecladista do Inverno Russo André Coelho. O irmão do André, Rafael Coelho era o baixista e o Dog na percussão. A fórmula de trabalho era igual nos tempos do Inverno Russo, tocar as músicas de sucesso no momento, e covers de algumas bandas grunge. Mas Guga não parava de compor.

         Com o fim do Belladona, Guilherme foi estudar áudio em Los Angeles. Quando voltou ao Brasil foi trabalhar como assistente no estúdio Midas, em São Paulo, e nas férias vinha para Campo Grande. Em uma dessas visitas, Guga mostrou suas composições para Guilherme.

— Quando ele vinha para Campo Grande e tinha show do Naip ele dava uma canja. Eu sentia que o cara fazia a diferença. Antes disso, quando ainda morava nos Estados Unidos, o Guilherme me mandava músicas dele que mais tarde foram gravadas no primeiro disco do Filho dos Livres. Ai um dia a gente sentou e conversou, ele me disse que ia voltar. Puta Merda! Obrigado Deus! Mil vezes obrigado!

A princípio Guga não acreditou muito que o parceiro iria voltar, afinal, Guilherme tinha um ótimo emprego em um dos melhores estúdios do Brasil. Mas Guilherme voltou e se juntou ao Naip...

...Quando fala das suas composições, Guga gosta de ressaltar que o que lhe inspira é o que acontece a sua volta. “Música é feita de momento, do que está acontecendo. Eu escrevo sobre o que eu passei, sobre o que estou passando e sobre o que eu quero passar”.

           — Eu sou apaixonado pela vida, pelas mulheres, pelas plantas, pelas crianças. Adoro mergulhar, tudo isso me inspira.

A solidão por opção é algo que inspirou Guga a compor algumas de suas melhores músicas. “Eu sempre gostei de ficar sozinho. Gosto de ficar no meu canto, pensando nas minhas coisas”. Essa necessidade de ficar só, sem ser incomodado e sem incomodar, é explícita na música “Meu carnaval”.

— Entre uma viagem e outra, a gente chega em casa para trocar de roupa, pegar a mala, falar com gente dentro de casa. Eu quero pegar a minha bagagem sem incomodar ninguém. Quero ficar na minha....

...Guga gosta muito da oportunidade que a música lhe dá de poder falar o que quiser. “Eu não vou ter muito tempo, daqui a pouco vem outros artistas. Eu acho legal deixar um pouco da minha marca na história, de poder contribuir”.

        — Tem música que ela só vem, eu só encontro os trechos. Ela não tem uma finalidade ou um propósito. Têm outras que eu escrevi quando estava vivendo aquela situação. “Sol”, por exemplo, eu tinha terminado um namoro, e a letra diz: “Sai da ponte... cai na lona”. Certamente a menina sacou quando ouviu.

         Geralmente as pessoas perguntam se suas músicas foram feitas para alguém especial. “Sim! Para mim e para as pessoas que estão em minha volta”. Tostão & Guarany e Geraldo Roca já foram homenageados em suas canções.

         A música “Cantador” nasceu quando Guga trabalhou com Tostão & Guarany no “Festival da América do Sul” em Corumbá. Guga era assistente de palco, e a dupla os apresentadores. A convivência de 24 horas por dia durante sete dias inspirou Guga. Essa música está na trilha sonora do filme “Cabeça a Prêmio” do diretor Marco Ricca, que foi rodado inteiro em Mato Grosso do Sul.

          — Eu estava trabalhando com eles e me deu vontade de falar sobre os caras. Eu me lembrei de umas coisas que tinha acontecido e encaixei os caras na história. Criei toda uma história doida, imagina eu comprar um cavalo? Só na última frase é que entra o nome deles.

         Em 2006, Geraldo Roca produziu um CD chamado “Novidade Nativa”, e o Filho dos Livres foi um dos convidados. O disco tinha um conceito, um tema: Falar sobre as coisas de Mato Grosso do Sul. Guga já sabia o que fazer, “vou falar do Roca”.

          — “Atol” foi feita para o Roca. Quando eu conheci o Roca, foi igual com o Geraldo Espíndola, meu joelho tremeu. Mas isso não quer dizer que eu amo ele, que quero casar com ele e quero beijar aquela boca. Kkkk...

...Guga e Guilherme já sentaram várias vezes para discutir o novo disco do Filho dos Livres, e a única conclusão que chegaram é de que o disco tem que fluir, não pode ser vomitado. Enquanto não souberem o que vão fazer, o disco não sai. Aliás, a única coisa que está certa, é que o próximo disco do Filho dos Livres terá uma participação mais que especial.

          — Esses tempos eu trabalhei com o Grupo Acaba e eles adoraram. Eles elogiaram o meu trabalho e perguntaram o que podiam fazer para retribuir. Eu falei brincando que eles poderiam participar do próximo disco do Filho dos Livres. Cara! Eles aceitaram, imagina, o Grupo Acaba é um presente.

           Enquanto o disco novo do Filho dos Livres ainda não encontrou seu formato, Guga e Guilherme estão no momento trabalhando em seus discos solos. Para Guga, esses trabalhos paralelos não interferem no Filho dos Livres. “Artisticamente é sempre bom fazer outras coisas”.

           O disco solo que Guga deve lançar até o fim de 2010 tem a sonoridade um pouco distinta do trabalho do Filho dos Livres. Produzido pelo músico Adriano Magôo, o disco é inteiro eletrônico e, segundo Guga, parcialmente fora da concepção comercial. Com exceção de “É necessário” – Geraldo Espíndola – todas as outras são composições próprias.

          — O meu disco está muito louco, tem um samba do crioulo doido, tem um forró que o Guilherme toca guitarra. Tem uma música chamada “Mulher” que tem tudo a ver com o momento que vivo agora, eu falo sobre minha namorada e sobre o campeonato de futebol virtual que eu disputo com meus amigos. “O Relógio”, eu fiz pensando no relógio da Rua 14 de Julho. Em “Indireção”, pode-se ouvir no fundo o cochicho de alguns amigos, como o Dog. Eu tirei o sorriso da música do Geraldo. Eu sou grunge né cara? Kkkk.




Guga acabou lançando “Apneia” em julho de 2011, no projeto “MS Canta Brasil”, cantando para 90 mil pessoas na abertura do show da banda mineira Jota Quest.