Filho dos Livres Pensamentos





No próximo domingo (24), o Filho dos Livres volta a tocar no projeto “Som da Concha”. Para quem não conhece, o duo é formado pelos músicos e compositores Guga Borba e Guilherme Cruz. Desde que tocaram juntos pela primeira vez, na banda Inverno Russo, já são mais de vinte anos de parceria. Depois do Inverno Russo, Guga e Guilherme também estiveram juntos nas bandas Belladona, Naip, e, atualmente, o Filho dos Livres.





O duo já lançou dois discos oficiais, "Tradições Distorcidas" e "República dos Livres Pensamentos", e duas coletâneas, "Meu Carnaval Numa Outra Estação de Natal" – que inclui gravações ao vivo – e "Filosofias Variadas Sobre o Tempo" – lançado pela gravadora Velas. Além da bem sucedida parceria, os dois realizam outros projetos individuais. Guga é produtor de palco, tendo trabalhado com diversos artistas de renome nacional e internacional. Já Guilherme é produtor musical e tem em seu currículo inúmeros trabalhos com artistas locais e alguns discos de artistas de ponta na música brasileira.



O “Som da Concha” é um projeto realizado pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, em parceria com a TV Pantanal, e acontece na Concha Acústica Helena Meirelles, no Parque das Nações Indígenas. O show, que começa às 17h30, terá como atração de abertura o cantor e também compositor, Thiago Perez.





Este post comemora a volta do Filho dos Livres ao "Som da Concha", mas também cumpre a promessa na minha primeira postagem. A partir de hoje, vou postar, aos poucos, alguns trechos de cada capítulo do livro que escrevi sobre a carreira desses dois artistas que, apesar de novos, já deixaram sua contribuição para a identidade musical de Mato Grosso do Sul.




Capítulo 1





“Quando eu era mais jovem e bem mais sá¬bio, arquiteto de sonhos
Eu cheguei a esta terra e ouvi um homem de palavras infinitas
Que mudaram minha vida, tão bem vinda, poeira fina...
Logo que eu fiquei mais velho e menos sá¬bio, vendedor de meus sonhos
Eu deixei esta terra mais ainda ouvia o ho¬mem que exaltava atrás das cordas
Fui pelo deserto, com futuro tão incerto, a tocar seus cantos...”
Atol (Guga Borba e Guilherme Cruz)




Para situar a contribuição do trabalho musical de Guga Borba e Guilherme Cruz na cena musical urbana de Mato Grosso do Sul, especificamente, de Campo Grande, é necessário voltar pelo menos 40 anos, quando uma geração de jovens músicos e compositores entrava em cena dando novos rumos para a música do Estado, então Mato Grosso. Trazendo na bagagem a influência da música rural e dos ritmos fronteiriços, esses jovens voltaram seus ouvidos para o que acontecia além do rio Paraná. Na Inglaterra, os Beatles e Rolling Stones já eram as maiores bandas do mundo; nos Estados Unidos, o festival de Woodstock e o movimento “Flower Power” da Califórnia, moldavam uma nova forma de fazer música, ou, até mesmo, de usá-la como forma de expressão.

Em Campo Grande, no final da década de 1960, os jovens Geraldo Espíndola e Paulo Simões compunham suas primeiras canções, dando os primeiros passos para se tornarem dois dos maiores compositores da música sul-mato-grossense. Em 1968, aconteceu a segunda edição do “Festival de Música Popular de Mato Grosso”, e um conjunto chamado Os Bizarros, Fetos e Pára-quedistas de Alfa Centauro foi o destaque do evento, ao interpretar a música “2001” dos Mutantes. Entre Os Bizarros, estavam Geraldo e Simões.

Os jornalistas Karine Silveira e Adriano Hany, no livro-reportagem “Geraldo Espíndola: O Menestrel Pantaneiro” (2009) descrevem com detalhes esse dia no longínquo ano de 1968, quando Os Bizarros, fizeram seu primeiro show. Além da irreverência musical, Geraldo Espíndola, no violão; Paulo Simões, na guitarra; Maurício de Barros, no contrabaixo; James de Deus, no órgão; e os dois bateristas, Mário Márcio e João Vaca Louca, surpreenderam a platéia com as suas vestes.

Geraldo vestia um poncho boliviano, calça de veludo, botas e chapéu; e Simões, usava fraque e cartola. Talvez assim, quisessem justificar o nome da banda. Para muitos, Os Bizarros é considerada a primeira banda de rock de Campo Grande, terra onde só se ouvia a música sertaneja. Trinta anos mais tarde, no projeto “Tripé”, Paulo Simões dividiria o palco com um duo chamado Filho dos Livres, cujo vocalista toca de saia. Guga – o cara da saia –, Guilherme e Jerry Espíndola são os outros pés...

... Mesmo antes da criação do estado de Mato Grosso do Sul, o sul de Mato Grosso, mais precisamente Campo Grande, estava a passos longos para encontrar sua identidade musical. Incorporando todas as suas influências rurais com as tendências contemporâneas da época, esses artistas foram responsáveis pelo primeiro movimento musical genuinamente sul-matogrossense. Em 1975, os irmãos Espíndolas (Geraldo, Celito, Alzira e Tetê) se juntaram e criaram o grupo Luz Azul, que mais tarde, em 1978, se tornaria Tetê e o Lírio Selvagem. Foi a primeira vez que um grupo de rock, do já então dividido estado de Mato Grosso do Sul, alcançaria projeção nacional. Em junho de 1975, nasce Guga Borba em Curitiba; um mês mais tarde, Guilherme vem ao mundo em Volta Redonda...

... Em 1982, aconteceu em Campo Grande, no Teatro Glauce Rocha, um evento que mostrou todas as caras, cores e sons da, já sedimentada, música urbana de Mato Grosso do Sul. Se no ano de 1968, Geraldo Espíndola e Paulo Simões, a frente dos Bizarros, deram o pontapé inicial para o movimento musical urbano do estado, o show “Prata da Casa” foi o grande momento dessa geração. Além dos já conhecidos irmãos Espíndola, que agora tinha mais um integrante, o caçula Jerry, Paulo Simões, Almir Sater e o Grupo Acaba, se juntaram nos dias 15 e 16 de maio de 1982, para fazer, até então, o maior registro da “nova” música sul-mato-grossense. Outros artistas, que apesar de já terem uma carreira relevante, chegaram ao conhecimento do grande público através desses shows. Nomes como Guilherme Rondon, José Boaventura, João Fígar, Cláudio Prates, Paulo Ge, Lenilde Ramos e Carlos Colman puderam também, mostrar seus trabalhos nos dois dias de teatro lotado... também em 1982, Guga se muda para Campo Grande, enquanto Guilherme ganha seu primeiro violão e começa a estudar com o “Prata da Casa” Carlos Colman...

... A partir de 1985, Campo Grande começou a conhecer uma nova geração de artistas e bandas que deram mais dinâmica e uma nova cara ao cenário musical local. Nesse mesmo ano, em Dourados, nascia a banda Olho de Gato, que pode ser considerada a primeira banda de pop/rock do estado. A banda de heavy-metal Alta Tensão lança seu primeiro disco “Metalmorfose” também em 85. A primeira banda de heavy-metal de Mato Grosso do Sul lançou mais dois discos, e até hoje, é considerada uma das mais importantes do país. O baterista do Alta Tensão, João Bosco, também era o baterista da banda Euphoria, que serviu como banda de apoio para quase todos os artistas que se apresentaram no “Prata da Casa”.

João Bosco foi um dos incentivadores dessa nova geração de roqueiros. Sua importância não se resume apenas a influência como músico; Bosco é proprietário da primeira loja a vender produtos ligados ao rock em Campo Grande. Na década de 1980 a “Rock Show” era ponto de encontro desses jovens ávidos por novidades do mundo da música. O seu primeiro endereço, na “Galeria Itamarati”, era frequentado pelos garotos que seriam os principais cantores, compositores e instrumentistas do atual, e real movimento de pop/rock de Campo Grande. Guga Borba e Guilherme Cruz estavam entre esses garotos, e já davam os primeiros passos na carreira musical.

Foi nesse cenário que nasceram, entre outras, bandas como Minhoca na Kabeça, Tropa de Choque, Blues Band e Vaticano 69, que já tinham um público cativo no circuito de bares e boates da capital. Duas outras bandas também se destacavam nessa época, o Inverno Russo, na qual Guga era vocalista, e o Outdoors, que tinha Guilherme na guitarra e que logo se juntaria ao Guga no Inverno Russo.

No começo da década de 1990 havia dezenas de bandas buscando seu espaço na noite de Campo Grande, e esse número não parava de crescer.  Com o fim do Alta Tensão e da Blues Band, nasceu outra  banda que hoje é referência para o rock de Mato Grosso do Sul. O Bando do Velho Jack foi composta pelos integrantes egressos dessas duas bandas. Essa fertilidade de novos músicos continuou crescendo por toda década de 1990, assim como crescia a necessidade de gravar suas músicas e divulgá-las além das divisas de Mato Grosso do Sul.

Com o aparecimento das leis de incentivo a cultura e das facilidades da era digital, esse sonho começou a se tornar realidade. Os primeiros artistas que conseguiram gravar CDs foram dois remanescentes da geração “Prata da Casa”. Paulo Simões lançou “Expresso Arrasta-pé Volume I” em 1992, e Guilherme Rondon “Piratininga” em 1994. Em 1997 Geraldo Roca lança “Música do Litoral Central”. Esse disco é muito importante por mostrar uma nova forma de se tocar os ritmos ternários, como a polca paraguaia e a guarânia. Músicas como “Polka outra vez”, “Litoral central” e “Japonês tem três filhas”; tem como base musical o tripé do rock: guitarra, baixo e bateria. Estão nesse disco outros sucessos de Roca, como “Mochileira”, e o clássico “Trem do Pantanal”.

Nesse mesmo ano de 97, é lançada a trilogia “Mato Grosso do Som”, que é um registro dos três shows acontecidos no “Teatro Glauce Rocha”. Os três discos fazem um mapeamento da música sul-mato-grossense, desde suas origens, passando pela geração “Prata da Casa”, chegando até as novas bandas como Blues Band, Medarock e Inverno Russo. Guga coloca fogo em uma camiseta do Inverno Russo e a banda chega ao fim. Guga e Guilherme partem para São Paulo, onde montam o Belladona...

... Os músicos de Mato Grosso do Sul, que já contavam com a ajuda das leis de incentivos para a gravação dos discos, agora têm na internet uma ferramenta barata e eficiente para divulgar seus trabalhos. Sendo assim, e como não poderia ser diferente, a produção de CDs atingiu índices nunca vistos antes; e quanto mais gravações, mais produto musical sendo posto ao gosto do público, e diversas bandas começam a se destacar. Depois de gravar um disco com o Belladona, e de várias aventuras em São Paulo, Guga e Guilherme voltam para Campo Grande e formam o Naip...

... Depois de lançar o primeiro CD “Pop Pantanal” em 2000, Jerry Espíndola lança em 2002 um disco com um sugestivo nome: “Polca Rock”. Apoiado pela excelente banda Croa, Jerry toca a tradicional polca paraguaia com guitarras distorcidas e uma pegada hard-rock na bateria. “Polca Rock” acabou definindo por algum tempo um novo estilo musical. O cantor e compositor Rodrigo Teixeira também gravou um disco de “Polca Rock”. “Polck”, de 2004, traz a mesma fórmula de tocar os ritmos fronteiriços junto com uma linguagem mais rock.

Muitos são os pais da “Polca Rock”. Nos anos de 1970 a banda Euphoria já tocava polca paraguaia com guitarra, enquanto o Lírio Selvagem gravava “Na Catarata” – uma polca cheia de contratempo e com um arranjo contemporâneo. No começo da década de 1980, Carlos Colman e Lenilde Ramos tocavam o “rock de botinas”; e em 1997, Geraldo Roca lança “Litoral Central”. Não importa quem a criou, o importante é o movimento musical que pode servir de referência da música regional. Cansados de tocar músicas de outros artistas com a banda Naip, e também muito influenciados pelos ritmos ternários, Guga e Guilherme formam o duo Filho dos Livres...

... Há pelo menos 20 anos Guga Borba e Guilherme Cruz vêm participando do movimento musical de Campo Grande. Desde o início com o Inverno Russo até o presente com o Filho dos Livres, já são seis CDs lançados e muitas experiências nos palcos de Mato Grosso do Sul e de outros Estados. Guga e Guilherme amadureceram não só como músicos e compositores, mas também como pessoas, e já tem seus nomes escritos na história da música regional. Apesar de novos, Guga e Guilherme têm muitas histórias para contar. E são essas histórias, desses dois músicos, que vamos começar a conhecer no próximo capítulo...

1 comentários:

  1. SEI LÁ DE QUE PLANETA ESTES DOIS VIERAM MAS UMA COISA TENHO CERTEZA, PRECISO AGRADECER MUITO A NAVE QUE DEIXOU GUGA E GUILHERME POR AQUI, BEM PERTINHO DE MIM... BJS... ANGELA FINGER.

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