“Apneia” e mais um capítulo do livro.

Guga Borba – “Apneia”




Após vinte anos de carreira como vocalista das bandas Inverno Russo, Belladona e Naip, além do duo Filho dos Livres, Guga Borba acaba de lançar seu primeiro disco solo. Das onze músicas do Cd, intitulado “Apneia”, dez são autorais, a exceção é “É necessário” do Geraldo Espíndola. Apesar de contar com a participação do parceiro de Filho dos Livres, Guilherme Cruz, em três faixas, o trabalho solo de Guga tem muito pouco do duo.



Quem está acostumado com a voz rasgada do Guga, pode se surpreender com o seu “novo” modo de cantar. Talvez, a voz seja a única referência ao Filho dos Livres, afinal, a pegada vocal do Guga é uma das assinaturas do trabalho do duo, entretanto, está razoavelmente mais contida dessa vez. No samba-canção “Porta bandeira", por exemplo, quase não se conhece a sua voz, porém, nos refrões de “Indireção”, “Minha Razão” e “É necessário” Guga retorna às origens. Quando Guga ainda estava gravando o disco, ele me disse que a sua versão de “É necessário” era bem diferente das outras, inclusive da original. “Cara, eu sou grunge né? Tirei o sorriso da música do Geraldo”, disse na época.    




O disco inteiro foi arranjado sob uma base eletrônica. Adriano Magôo, que também assina a direção musical, Alex Cavalheri e até o baterista e percussionista Sandro Moreno abusaram dos sintetizadores. Completam o time, os violões do Guga – em oito músicas ele usou slide – e as participações do Guilherme tocando guitarra em “Pode ser aos poucos” e cavaco em “Porta bandeira” e “Mulher muito bela”, essa última, por sinal, é a única com baixo elétrico, gravado pelo Antônio Porto.



“Eu segurei o ar e mergulhei em mim... nas minhas composições.” É assim que Guga explica o nome do Cd. “Apneia” é um disco surpreendente. Surpreende pela sonoridade alcançada pelos músicos e pela capacidade do artista Guga de se reinventar, de ser realmente filho dos pensamentos livres.



Amanhã, Guga faz o lançamento oficial de “Apneia” e do seu novo site – gugaborba.com.br – no  “MS Canta Brasil”, abrindo para o Jota Quest. Lembrando que o disco já está a venda nas lojas Planet Music e Opus.


Dando sequência as postagens de trechos do livro, segue a primeira parte do segundo capítulo, justamente, o dedicado ao Guga. 










Capítulo 2





“Amanhã vai se abrir
Em todo o céu carmesim,
A "lerdeira" certeira
Que sempre certeza se faz...”
Meu Carnaval (Guga Borba)





O inverno do ano de 1975 entrou para a história como um dos mais rigorosos de todos os tempos no Brasil. Uma forte nevasca tomou conta de boa parte da região Sul do país. A família Borba, que residia em Curitiba, capital paranaense, além de se preocupar com o imenso frio, vivia a ansiedade pela chegada do terceiro filho; o caçula Guguinha.

            Gustavo Renato Borba nasceu no dia 6 de junho de 1975 em uma família curitibana de classe média. Filho do comerciante Nélson José Borba, e da artesã Solange Marli Borba, Guga é o mais novo de três irmãos, sendo a irmã Simone, sete anos mais velha, e o do meio, Guilherme, cinco anos mais velho. 

Guga é tataraneto do fundador de uma cidade no interior do Paraná chamada Telêmaco Borba, daí o sobrenome. Guga lembra que o Guguinha era um menino normal, como todas as outras crianças, a não ser por dois motivos: tinha um problema sério de dicção, era completamente gago, e sofria de bronquite asmática.

            — Eu tinha muito problema com o frio porque tinha bronquite asmática, então, qualquer mudança climática eu ia parar no hospital. Tinha que fazer inalação e tomar soro...
           
... Depois de morar por uns tempos em Porto Alegre, a família de Guga volta para Curitiba. Mas o seu retorno à cidade natal não duraria muito. Em 1982 o Seu Nélson decide abrir em Campo Grande uma filial da empresa de manufaturados de aço Perfilados Paraná.

            A primeira impressão que Guga teve ao chegar em Campo Grande foi desesperadora. Decerto, para uma criança de sete anos, acostumada com cidades como Curitiba e Porto Alegre, a visão da rodoviária de Campo Grande na época foi um choque. Dona Solange teve muito trabalho para convencer o Guguinha a sair do ônibus.

            — Eu tenho gravado na minha cabeça até hoje o dia em que eu cheguei aqui.

Quando a gente desceu naquela rodoviária e eu vi aquelas índias, sentadas com aquelas crianças no colo, as crianças nuas e com sujeira no nariz e com aquelas bacias de milho. Cara, eu não queria descer do ônibus, dizia: Não vou! Não Vou! De alguma forma rolou um preconceito, poxa cara, eu era uma criança, e acostumado com outras coisas.

             Os problemas de Guga com a adaptação a sua nova realidade continuaram por alguns dias. Seu pai havia alugado um prédio na rua 13 de Maio, em frente à Escola Estadual Vespasiano Martins. Mas até que o lugar estivesse pronto para a família se estabelecer, os Borba tiveram que se hospedar por uns tempos no Hotel Cosmos, ao lado da rodoviária.

            — Depois que a gente se instalou no hotel, a minha mãe me chamou para dar uma volta e conhecer as redondezas. Cara, quando eu vi aquelas lojinhas com aquelas coisas penduradas, eu pensei que a cidade era só aquilo. Meu Deus! E agora? O que eu faço? Quero voltar! Aí meus pais improvisaram um local para a gente morar no prédio.

            Após sofrida adaptação, Guga e família se estabeleceram efetivamente em Campo Grande. Em pouco tempo eles saíram do prédio e em 1984, foram morar na casa recém comprada no Residencial São Luiz...

... Guga começou seus estudos em Campo Grande na escola Vespasiano Martins, mas logo se transferiu para uma das mais tradicionais escolas da cidade, a Mace. Não era um mau aluno, não tinha notas baixas, seu único problema era querer liderar seus colegas nas peraltices comuns entre estudantes. Guga organizava a turma para matar aula, escondia as cadernetas de frequência dos outros alunos, enfim, nada tão grave assim. Mas um pé quebrado mudou seus rumos estudantis.

Guga cursava a 5ª série – atual 6º ano do ensino fundamental – na Mace, quando um belo dia resolveu atirar três carteiras do 3º andar no pátio da escola. Na verdade, não foi atitude impensada e totalmente sem motivo, mas rendeu-lhe um “gentil” convite para sair da escola.

Tudo isso porque em uma brincadeira com outro colega de sala, Guga quebrou o pé dentro da escola. Como ele era um aluno que sempre estava metido em algazarras e confusões, a diretora da escola achou que era mais um truque e negou-lhe assistência médica, deixando-o largado no corredor com um saco de gelo no pé. Revoltado, Guga jurou vingança.

— Meu pé ficou enorme, roxo. Eu não conseguia encostar a ponta do dedo no chão, eu fui pulando, apoiado no ombro de um amigo até o orelhão ligar para minha mãe. Pensei comigo mesmo, quando eu ficar bom vocês vão ver, não deu outra, na primeira semana que voltei, joguei três carteiras lá embaixo. Aí eu fui convidado a sair da escola, caso contrário, seria expulso...

... Quando tinha 11 anos, Guga conheceu a base do que seria o seu entendimento sobre música. O marido da sua irmã, na época, ouvia Zé Ramalho, Alceu Valença, Beatles, Geraldo Vandré e Raul Seixas. Foi ouvindo esses artistas que ele entendeu o quanto as letras das músicas eram importantes, que o cara que compôs está querendo dizer alguma coisa.

            — Foi na casa da minha irmã onde eu conheci esses compositores mais elaborados. As músicas que meu cunhado ouvia me mostraram um novo entendimento sobre música. Esses caras me ensinaram que a letra e a música devem ter a mesma atenção. Mas eu gostava também da Turma do Balão Mágico, da Blitz e do RPM. Kkkk!

            Se Zé Ramalho, Beatles, Raul e a turma da Simony abriram o caminho musical de Guga, foi uma mulher – na verdade, uma menina – que o fez descobrir que poderia ser um cantor. Guga já morava em uma nova casa, bem no centro de Campo Grande, e essa menina morava perto da sua casa, e quando a via passar, Guga suspirava: “Que menina linda, que gata! Mas como vou fazer ela me enxergar?”

            Perguntando aqui, especulando ali, descobriu que ela gostava de uma música que tocava muito nas rádios na época, “Build”, da banda inglesa House Martins – aquela do refrão papapapa pel. Guga teve então uma ideia brilhante: “Vou chegar até ela por essa música”.

            Guga preparou o gravador e ficou a tarde inteira esperando a música tocar na rádio. Música gravada, começou a tarefa. Ouviu uma, duas... 10... 50..., inúmeras vezes, até aprender a cantar a música. O próximo passo era sentar na esquina e esperar ela passar. Mas o plano não deu muito certo.

            — Quando ela passava eu cantarolava a música... papapapa pel..., mas aí cara, ela começou a namorar um amigo meu. Puta merda! Foi uma desilusão total. Mas teve uma coisa boa, meus amigos disseram que eu cantava bem, nem dei bola, o que eu queria era a menina, a música era só um caminho. Mas eles insistiram tanto, “você canta bem cara”, que eu fiquei com isso na cabeça. Se eu fosse um cantor de verdade essa menina olharia para mim...

... Guilherme Borba – o Guiga – foi uma grande influência para Guga quando se trata de música. Foi por intermédio do irmão, que ele começou a ter contato com instrumentos – no momento, Guga está gravando um CD solo que é totalmente dedicado ao irmão, e também à sua irmã.

Guiga tinha vários instrumentos, como baixo e violão, mas um belo dia o Seu Nélson chegou em casa com um teclado de igreja. Foi nesse teclado que Guga aprendeu com o irmão as posições das notas musicais. Pacientemente, Guiga ensinava que “o sol é aqui, o lá se faz assim”. A partir do momento que conseguiu visualizar e entender as notas, sua mente abriu de vez para a música.

            O irmão do Mauro Zen – baixista do Minhoca na Kabeça – também ia aos ensaios da banda. Tico, assim como Guga, queria aprender a tocar, e no intervalo dos ensaios, os dois se apossavam dos instrumentos.

            — Os caras faziam um intervalo para tomar uma cerveja, então, a gente tomava conta dos instrumentos. Foi aí que tudo começou. Mais tarde eu tocaria com o Tico Zen no começo do Inverno Russo.

            Quando o vocalista do Minhoca – Frank – saiu da banda, o baterista Daniel Chaia sugeriu que o Guga poderia assumir os vocais. Mas Guiga não gostou da idéia. “Você é maluco? Meu irmão só tem 12 anos!” argumentou. Guga ficou empolgadíssimo, mas teve que acatar a ordem do irmão: “Você não tem idade, segue com a sua vida”.   

            Com o irmão, Guga também conheceu a primeira grande banda da sua vida. Guiga ouvia muito Pink Floyd, e quando Guga descobriu o “The Wall” – lançado em 1979, e até hoje é um dos discos que mais vendeu no mundo – sua cabeça deu um nó. Ele mergulhou no trabalho da banda.

            — Quando eu conheci o Pink Floyd eu fiquei doido. Ouvia o Gilmour – guitarrista e vocalista – tocar e pensava... “Nossa! Quero tocar como esse cara”. Comecei a ouvir e tirar tudo do Pink Floyd. Sou muito fã desses caras, inclusive quando a banda se separou eu fiquei bem triste.

            Com a mente definitivamente aberta para outros sons, Guga começou a ouvir e tirar de tudo. Como naquela época não existia internet, a única forma de aprender a tocar alguma música era com as “revistinhas” de cifra. Mas Guga geralmente achava que as cifras dessas revistas estavam incorretas, então outra vez se aproveitou da experiência do irmão.

— Eu comecei a tocar mais vendo do que tocando.

            Como fazia nos ensaios do Minhoca, Guga ficou observando como seu irmão tirava as músicas. Guiga ouvia um pedaço da música dava pausa e tirava, ouvia de novo e tirava outro pedaço. Foi assim que Guga aprendeu a tirar as músicas de ouvido. Ao mesmo tempo em que progredia como músico, percebeu que um bom músico precisa de um bom instrumento...

... O Di Giorgio de nylon que Guga havia ganhado da mãe já não servia mais para suas pretensões. Ele queria fazer um trabalho profissional, e para isso, precisaria de um violão melhor. Entendia que com um bom instrumento, seu som melhoraria. De tanto ver e ouvir o Gilmour, Guga decidiu que queria um violão igual ao do ídolo, um Fender.

            Em uma viagem para Curitiba, Guga havia visto em uma loja um lindo violão Fender cor de madeira, do jeito que ele queria. Por sorte, perto da época do seu aniversário, seu pai foi até Curitiba. Sem perder tempo Guga avisou: “Olha, o violão que eu quero é assim e tem em tal loja”.

            — Quando meu pai chegou na loja, ele me ligou e pediu para eu falar com o vendedor. Cara, minhas mãos tremiam. O vendedor disse assim para mim: “Gustavo, o violão que você quer é um Fender assim e assado?” Cara, eu vibrei, meu pai estava comprando um Fender para mim!

            Até seu pai voltar, Guga ficou angustiado, se perguntando se realmente iria ganhar um Fender. Depois de três dias, Seu Nélson voltou para Campo Grande. Enquanto o resto da família perguntava como tinha sido a viagem, Guga, sem meias palavras disse: “Cadê meu violão?” Seu pai falou que já estava embaixo da cama.

            Guga correu até o seu quarto, mergulhou embaixo da cama, mas para sua surpresa a caixa era de um violão Giannini. Foi um balde de água fria. Voltou para a sala com um sorriso amarelo, nem queria abrir o presente. Mas para não decepcionar o pai, Guga abriu a caixa.

            — Quando eu vi na caixa que o violão era Giannini, cara, foi foda. Porra! Eu quero um Fender. Mas daí, eu abri o presente. Cara! Era um Fender! Nossa! Eu fiquei uns dois dias sem dormir. No outro dia eu fiquei tocando com o “Dog” até o dia amanhecer.

            Dog é o apelido de um grande amigo seu, o Leonardo Maciel, que acompanhou e apoiou a carreira do amigo desde o início. Mais tarde, Leonardo tocaria com o Guga na banda Naip e também o acompanharia em seus shows solos. A lembrança que Dog tem do dia em que o Fender caiu nas mãos do Guga é precisa.

            — Na noite em que ele ganhou o Fender, nós sentamos no meio fio na esquina da casa dele no Giocondo Orsi. Era eu, a nossa amiga Rejane e talvez o Guiga assistindo o Guga tocar. Ficamos por horas ouvindo o som do novo presente. Ele não se cansava de tocar...


Continua...

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